27 setembro, 2006

o futuro, o emprego e os netos - por Irapuan Martinez

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From: Irapuan Martinez
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Conversa que eu terei em 40 anos, com meu neto:

- Vôzord, o que é "profissão"?

- Já te disse que eu não tolero estas gírias do futuro. O que você
quer saber, seu moleque?

- Eu queria saber o que é "profissão"... E "moleque".

- Bom... Profissão é um negócio que a gente tinha, alí pelo século
20... No comecinho do século 21, até uns 2011, 2012... Era um negócio
que você fazia e recebia um salário no final do mês.

- Como assim "fazia"?

- Não tinha dessas modernidades de robôs holográficos que cuidam de
toda a mão de obra. Se você quisesse uma cerveja, você tinha que ir na
geladeira buscar, abrir e beber.

- Vô, cerveja não era aquele mato seco ilegal?

- Não, aquilo era outra coisa. E a cerveja só foi posta na
clandestinidade há 30 anos.

- E é por isso que o senhor virou um velho amargo e resmungão?

- Ora!!! Seu fede... Sim, é por isso.

- Mas vô, porque vocês tinham profissão?

- Porque herdamos os valores de nossos pais, que por sua vez herdaram
dos pais deles e por aí vai. Naquele tempo, delimitava-se a atividade
de cada ser humano. Chamavam de "especialidade". Cada profissão tinha
seu especialista.

- E o sujeito com duas especialidades, ele tinha duas profissões?

- Não! Nunca! Isto era contra as leis naturais! Uma afronta às leis de Deus.

- Vô, provaram cientificamente no ano passado que Deus era um sujeito
que vivia na Oceania e que nada teve a ver com a criação do universo.

- Pois então, naquele tempo, cada sujeito era especialista em alguma
coisa. Então chegou a era da informação...

- Ih, lá vem o papo nostálgico.

-... aonde estava acessível o sujeito ser especialista no que
quisesse. Se descobriu por exemplo que o sujeito não precisava estudar
cinco anos de medicina e mais cinco de residência médica para curar
uma dor de cabeça. Com isto, reduziu-se substancialmente a necessidade
de especialistas que definiam a profissão. Foi o completo caos.

- Mas vô, estamos todos bem, não estamos? Vocês não estavam
exagerando? Õ drama. No fim a humanidade sobreviveu.

- "Exagerando"?!? Você acha que estávamos exagerando na macha de 2012,
quando no seu terceiro mandato consecutivo, o presidente Lula revogou
o CLT?

- O que sei é que isso permitiu o Brasil, alguns anos depois, se
tornar uma potência ecônomica universalizada.

- "Globalizada", moleque. Naquele tempo a viagem espacial era coisa de cinema.

- O que é "cinema"?

- Não vem ao caso. Poisé, então era tempos simples. Você se
especializava, alguém te pagava um salário para você exercer sua
especialidade.

- Salário?

- Sim, salário. Sabe aquela coleção de papel com fotos de animais e
números que seu avô te mostrou? Aquilo se chamava dinheiro.

- Peraí, vô. Quer dizer que trocavam sua especialização por papel?

- Sim. Era o dia mais feliz do mês.

- Não entendo como alguém podia ser feliz trocando algo abstrato por papel.

- E quanto mais papel, mais feliz ficávamos!

- Bom, então era tempos felizes, já que existia papel em abundância
naquela época.

- Que nada. A nossa cota de papel era limitada.

- Como assim, vô?

- E que a cota de papel variava de acordo como você ia fundo na sua
especialidade.

- Não entendi. Quanto menos você sabia do resto das coisas, mais papel
você ganhava?

- Sim, é por aí.

- E quem sustentava este absurdo?

- Os sindicados. A regulamentação das profissões. O CLT. Os valores
morais da época.

- Pelo menos eram vocês que decidiam o quanto de papel que ganhavam.

- Errado. Nossa cota de papel era medido numa unidade de referência
chamada "salário-mínimo". Só ganhávamos mais quando esta referência
também subia. Ou quando nos tornavámos mais especializados.

- Quer dizer que não eram vocês próprios que definiam o quanto de
papel que ganhavam?

- Não, isto só aconteceu algum tempo antes de extinguir o dinheiro em
papel. Eram simplesmente as leis de mercado globalizado que definiam o
salário do empregado. A especialidade deixou de ter importância e cada
vez mais, era importante a criatividade do profissional para se
posicionar diante do mercado. Antes ele corria atrás do trabalho.
Agora ele tinha que saber se posicionar no mercado para o trabalho lhe
procurar.

- Vô, isto tudo é um completo absurdo. O senhor me parece esclerosado.

- Ora, seu moleque! Que desrespeito! O que lhe ensinam na escola hoje em dia???

- Vô, as escolas foram postas na ilegalidade há 20 anos.

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