Aos 16 anos, a RNP, que desde 1991 opera a infra-estrutura de rede que provê a comunicação e colaboração entre instituições federais de ensino e pesquisa, rompe os muros da academia. Sem abandonar os objetivos para os quais foi criada, a RNP passa a desenvolver projetos que contemplam, diretamente, outros setores da sociedade. As suas redes metropolitanas, com capacidade de 1 Gbps de saída, vão atender também escolas municipais, instituições privadas, bibliotecas e museus. Estão sendo montadas em regime de consórcio, como a recentemente inaugurada em Vitória (ES). “O mais trabalhoso não é instalar a infra-estrutura, é construir as parcerias”, conta Nelson Simões, seu diretor geral. O projeto piloto de telemedicina que desenvolve, em parceria com o Ministério da Saúde, transforma os hospitais universitários em centros de apoio de diagnóstico a distância ao gestores do Programa Saúde da Família. Mantida com recursos dos ministérios da Educação e Saúde, que investem R$ 40 milhões/ano em seus programas, a RNP concluiu a interligação, em 1999, de todas as instituições de ensino e pesquisa do país. De lá pra cá, vem investindo no aumento da capacidade de seu backbone e no desenvolvimento de aplicações, que agregam valor à rede.
Tele.Síntese – Com a chamada Nova RNP, lançada em 2005, a RNP deixou de atuar apenas na área de infra-estrutura de redes? O que mudou? Nelson Simões – Desde 2000, a RNP, que foi criada para interligar as instituições de ensino e pesquisa do país entre si e à internet, não desenvolve seu trabalho focada apenas na área da infra-estrutura. Em 1999, ela venceu o desafio de interligar todas as universidades federais. O último ponto a ser interconectado foi Boa Vista (RO). Então, ela passou a atuar também na geração de conhecimento e inovação, um movimento que ficou mais claro a partir de 2002. E esse caminho foi definido até porque o Ministério da Educação e o Ministério da Ciência e Tecnologia, que são os que mantêm a RNP, sempre tiveram uma visão da importância da tecnologia da internet para o país enfrentar seus grandes desafios na área da educação e, também, e para o desenvolvimento tecnológico e de inovação. Como a RNP interliga um conjunto de atores que geram conhecimento – como as universidades, institutos de pesquisa, hospitais universitários, escolas agrotécnicas, etc. --, é natural que ela passe tanto a ser canal de desenvolvimento de inovação como a agregar as inovações desenvolvidas por esses atores, que adicionem valor à rede. Então, além dos desenvolvimentos na área de redes propriamente dita, temos a área de desenvolvimento de aplicações e a de capacitação de recursos humanos, tão importante quanto os resultados de inovação nas duas primeiras áreas.
Tele.Síntese – Um exemplo de inovação gerada no âmbito da RNP pode ser a própria Nova RNP, que é resultado do projeto Giga? Nelson Simões – Esse eu considero um excelente exemplo do que é o papel da RNP em inovação. O projeto Giga foi desenvolvido com recursos do Funttel, o fundo de desenvolvimento das telecomunicações, em conjunto com o CPqD e um grande número de parceiros, entre os quais destaco as operadoras de telecomunicações, que nos cederam a infra-estrutura de fibra óptica. O seu objetivo era desenvolver a prototipagem de uma rede óptica de alta capacidade e novos produtos e serviços de telecomunicações, envolvendo novos protocolos e aplicações. Definido então o modelo dessa nova rede, onde o protocolo IP foi implementado diretamente na fibra óptica com a utilização da tecnologia DWDM, nós fizemos uma licitação. A Embratel venceu o pregão para fazer a implementação do nosso novo backbone e foi ela quem contratou a Padtec, empresa nacional, spin off do CPqD, que participou do projeto Giga no desenvolvimento dos sistemas de comunicação óptica, e que se mostrou competitiva em termos de custo, qualidade e interoperabilidade.
Acho que o projeto Giga é exemplar do processo de inovação a ser impulsionado pela RNP. Não só foi definido o modelo do novo backbone que atenderia às nossas necessidades, como desenvolvemos fornecedores e aplicações para essa rede de alta velocidade. E fizemos tudo isso sempre em parceria. É importante registrar que o novo backbone, que entrou em operação em 2004 e foi sendo estendido nos dois anos seguintes, não significou apenas uma mera troca de tecnologia, pois passamos do IP sobre ATM (Assyncronous Transfer Mode) para o IP sobre DWDM. É um novo ambiente – a capacidade do nosso backbone aumentou em 30 vezes -- que está nos permitindo ter melhores aplicações em diversas áreas, como telemedicina e vídeo, entre outras.
Tele.Síntese – A RNP vem financiando, desde 2002, uma série de grupos de trabalho. Eles geram resultados concretos? De que tipo? Nelson Simões – Esse é um modelo novo, que vem dando muitos bons resultados. O princípio é muito simples. Definimos as áreas que são fundamentais para o desenvolvimento de nossas atividades, que são infra-estrutura de redes, middleware (são os serviços, onde nada deve ser centralizado e a inteligência da rede terá que lidar adequadamente com seus vários pares) e as aplicações (para atender às diferentes necessidades do conjunto de atores que integram a RNP, como educação a distância, telemedicina ou o uso da tecnologia de VoIP para tornar a comunicação mais barata e eficiente, e disponível quando os pesquisadores estão em mobilidade). E montamos os grupos, convocando os pesquisadores brasileiros, que integram a nossa rede.
Os resultados dos trabalhos, ao serem incorporados à rede, a enriquecem. Hoje, 80 instituições de nossa rede já estão usando o sistema de VoIP. O efeito mais visível é a redução do custo – um levantamento indica que houve redução de R$ 30 mil/mês com telefonia, em cada instituição. Mas os ganhos vão muito além disso. Com a adoção da VoIP, mais gente pode fazer chamada de longa distância, o que democratiza o acesso ao serviço, é fundamental na mobilidade dos pesquisadores, que podem se comunicar a distância, e faz enorme diferença para as instituições instaladas no interior. Nossa solução VoIP começou a ser desenvolvida em 2002, por um grupo da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É toda em software livre. O mesmo grupo que desenvolveu a solução, desenhou também a capacitação para os gestores de tecnologia da informação das instituições. A capacitação é fundamental porque, muitas vezes, temos a competência a ser universalizada, mas falta qualificação dos usuários para que a solução seja incorporada de forma sustentável.
Tele.Síntese – A lógica dos grupos de trabalho é a lógica do trabalho colaborativo? Nelson Simões – É, porque é uma lógica inerente à rede e que acaba gerando novos conhecimentos que levam ao seu enriquecimento. Outro exemplo importante é o trabalho de prototipagem de uma rede de distribuição de vídeo em todos os nós da RNP, para distribuição em alta escala, feito por um grupo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, o grupo do professor Guido Lemos, que depois foi para a Federal da Paraíba, e que desenvolveu o middleware da TV digital em parceria dom a PUC/RJ. O desenvolvimento, agora, está sendo complementado pela equipe da professora Regina Silveira, da USP, que está traballhando no tratamento dos conteúdos de vídeo armazenados pelas instituições ou departamentos.
Tele.Síntese – Os benefícios da RNP só são compartilhados pelas instituições acadêmicas e de pesquisa, ou podem em alguma medida serem apropriados pela sociedade? Em que situações isso acontece? Nelson Simões – Temos alguns projetos que extrapolam o limite da academia. Um deles é o projeto de rede Mesh, desenvolvido pela Universidade Federal Fluminense, em Niterói (RJ), que envolve a conexão com residências de professores e alunos. Outro é uma aplicação de gerenciamento de vídeo que está sendo utilizada pelas TVs universitárias para fazerem a troca de conteúdo de sua programação. Há outros experimentos localizados, ligados à segurança da rede.
Mas um dos projetos mais importantes, que extrapola o limite da academia, embora esteja ligado ao ensino e à pesquisa, é o de telemedicina, em parceria com o Ministério da Saúde. Estamos montando um piloto com nove hospitais universitários, onde cada um deles vai dar cobertura para os gestores do Programa Saúde da Família em cem municípios.
Tele.Síntese – A RNP inaugurou recentemente a Metrovix, a rede metropolitana de Vitória, numa parceria com prefeitura e estado. Em redes desse tipo, o backbone da RNP passa também a atender a comunidade não-acadêmica? Nelson Simões – As redes metropolitanas são um desdobramento do projeto Giga, que permite levar a essas áreas velocidade de 1 gigabit por segundo de saída, ou seja, mil vezes a banda larga doméstica que é, via de regra, de 1Mbps. O modelo é simples e eficiente. Coloca-se a tecnologia Ethernet sobre a fibra e ilumina-se. A ampliação da capacidade poderá ser feita pela RNP a um custo marginal. Basta substituir o laser nos comutadores por outros mais potentes. Hoje, esses equipamentos já custam barato, em torno de R$ 5 mil. É dessa capacidade de evolução que precisamos para desenvolver inovação, especialmente com a utilização simultânea de vídeo, que consome muita banda.
O objetivo básico da rede metropolitana é dar conexão de boa capacidade às instituições de ensino e pesquisa, pois é na ponta, ou seja, dentro dos campi, onde estão os maiores problemas em termos de infra-estrutura de rede. Hoje, já temos dez estados conectados a multigigabits por segundo e, até 2010, queremos ter os outros 17 estados conectados nessas condições, porque a alta velocidade é fundamental para aplicações como o ensino a distância, que é uma prioridade tanto do MEC quanto do MCT.
A primeira rede metropolitana foi inaugurada em Belém (PA), a segunda em Vitória (ES). Em breve, entram em operação as de Brasília, Florianópolis (SC) e Manaus (AM). Queremos, até o final de 2008, atender com 1 Gbps 290 das 360 instituições que compõem a nossa rede. O demorado não é colocar a rede em operação -- leva no máximo três meses. O que gasta tempo é construir as parcerias. E decidimos seguir esse caminho não só para potencializar o uso da rede, mas para que o projeto seja sustentável. O investimento é feito pela RNP, com recursos da Finep, mas a manutenção da rede é rateada entre os parceiros. Além das instituições federais de ensino e pesquisa, estamos convidando instituições de ensino particulares, órgãos dos governos federal e estadual, normalmente representado pela secretaria de Ciência e Tecnologia, e a prefeitura. O traçado da rede é feito a partir da consulta a todos esses agentes. No caso de Vitória, que é nossa primeira rede com uma ampla parceria, a prefeitura está usando o nosso backone para interligar não só órgãos da administração municipal, mas também escolas. Lá, a gestão é da Universidade Federal do Espírito Santo.
Nas parcerias que estamos discutindo tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo, queremos integrar museus e bibliotecas. Então, a parceria vai envolver também o Ministério da Cultura e as secretarias estaduais de Cultura, para que a rede metropolitana interconecte os bens culturais mais relevantes dessas cidades, que têm acervos de conhecimento.
Tele.Síntese – Você destacou que uma das preocupações da RNP é com a ampliação da capacidade das redes. A banda vai virar commodity? Nelson Simões – Essa é a nossa visão de futuro. Já se vê isso lá fora, e vai acontecer aqui. Também vemos que vai haver um grande desenvolvimento das aplicações peer to peer, entre pares, como já começa a ser notado no uso da rede feito pela academia. No futuro, cada um vai ter o seu YouTube. Cada vez mais, os conteúdos vão ser compartilhados, gerando novos conteúdos. E, por isso, é muito importante o middleware, o desenvolvimento de facilidades que permitam esse tipo de aplicação e que ela esteja disponível para todas as instituições, centros de pesquisa e unidades de educação tecnológica do país.
Tele.Síntese – Esse mundo vai ser acessível no curto prazo? Nelson Simões – Esse mundo já está aí. Já existe toda a infra-estrutura tecnológica que permite o desenvolvimento de aplicações entre pares. O que eu vejo como barreira ao seu desenvolvimento são os marcos regulatórios, construídos com bases em conceitos que começam a perder a validade. Então, uma barreira está no direito de propriedade; outra barreira ao acesso livre ao conteúdo tem raiz tenológica. Estão tão bem guardados os conteúdos que ficam inacessíveis.
Então, por mais que haja resistência, vamos ter de enfrentar essa discussão do acesso ao conteúdo, de como fazer o melhor aproveitamento dos nossos conteúdos. Já temos experiências interessantes de compartilhamento e uso de conteúdos de terceiros, como o site Overmundo. Essas experiências podem e devem ser colocadas a serviço da educação.
Tele.Síntese – A cultura digital é em si convergente? A sua existência vai derrubar, na prática, os marcos regulatórios baseados em serviços isolados? Nelson Simões – A cultura digital já nasce com o DNA da convergência e do compartilhamento. Ela acaba com o tratamento individualizado da voz, do vídeo, do broadcasting. Não só ela trata esses serviços simultaneamente como permite que o conteúdo seja apropriado, melhorado, alterado, personalizado, enfim. Então, a cultura digital nasce sob uma outra óptica. Tanto a indústria de produção de bens culturais e de serviços de comunicação como a sociedade vão ter de se moldar a essa nova forma de produção do conhecimento. É inexóravel.
Eu acho que o movimento da cultura digital vai ser semelhante ao movimento da internet. Ela gera uma grande discussão porque não há um modelo legal que responda às suas necessidades. Mas é um movimento que não vai parar. Então, de um lado se tem a cultura digital, que estimula o compartilhamento e é alimentada por ele, e de outro, a evolução da infra-estrutura da rede que também traz, no seu DNA, o estímulo ao compartilhamento. Com o avanço da tecnologia das redes sem-fio, com equipamentos a US$ 200, US$ 100, vamos ter novas possibilidades. Eu diria que esse DNA de compartilhamento está na infra-estrutura, no middleware, nas aplicações sobre a rede. O futuro vai ser muito interessante. E vai gerar muitas perguntas para as quais ainda não temos respostas. |