Segunda-feira que vem acontece na procuradoria da República de São Paulo (r. Peixoto Gomide, 768 ), às 14h a audiência pública "A mulher na televisão brasileira", onde elas vão entregar o manifesto abaixo:
São Paulo, fevereiro/março de 2007.
Aos srs.
- Acionistas e diretores das diversas emissoras da TV Brasileira
- Ao Fórum pela Ética na TV
- À Sra. Adriana da Silva Fernandes - Ministério Público Federal - SP
Prezados Senhores,
A TV é uma concessão pública e, por isso, é legítimo considerar que as concessionárias têm, no mínimo, como contra partida, a responsabilidade de representar os mais altos anseios e interesses do público que pretende representar.
Importante lembrar que a comunicação hoje se inscreve entre os Direitos Humanos como um dos direitos básicos que todos os cidadãos do mundo devem ser garantidos. A comunicação é uma via de duas mãos e, assim sendo, para que se efetive, faz-se necessário, ouvir e ser ouvido/a; ver e poder mostrar, representar e se sentir representado/a.
Nós, mulheres feministas, sindicalistas, de movimentos sociais, intelectuais, trabalhadoras, de diversos extratos sociais, raças, etnias, idades, estado civil e inserção no mercado de trabalho, ou mesmo fora dele, representantes que somos da diversidade e da vida real que levam as mulheres do Brasil, consideramos que esta parcela da população (metade da humanidade e 52% da população brasileira) está sub ou muito mal representada nesse meio de comunicação que, por direito, também nos pertence.
Denunciamos que não nos reconhecemos em suas produções, quer na relativa invisibilidade nos momentos e segmentos mais sérios da programação televisiva (onde somos predominantemente invisíveis), quer na imagem, papéis, valores, dificuldades/facilidades, problemas e questionamentos, alegrias e prazeres que pretendem nos retratar, nos mais diversos programas – tele-jornais, na overdose de programas de cozinha, nos programas de auditório, programas 'de sofá', de entrevista, novelas, ou nas propagandas dos intervalos comerciais. E, o mais agravante, pior do que isso é o fato de, na maior parte do tempo, nos sentirmos vilependiadas, ridicularizadas, usadas para promover valores, padrões e produtos os mais variados, em detrimento de nossa realidade e aspirações.
A relativa invisibilidade das mulheres trabalhadoras, intelectuais, especialistas, profissionais liberais e outras, a falta de espaço para a discussão de nossas reivindicações e ideais, bem como de nossas conquistas e das mudanças que conseguimos introduzir no mundo, perpetua a reprodução dos estereótipos limitantes que influem na formação de uma subjetividade empobrecida e resultam no rebaixamento da auto-estima das mulheres e na busca de sua afirmação através da perseguição a modelos, valores e produtos veiculados.
O padrão estético disseminado pela mídia em geral, e pela TV em especial, oferece um modelo de beleza feminina pasteurizado e de difícil acesso brasileira. Assim, se, por um lado, as mulheres dizem não se reconhecer na imagem dominante, por outro elas cobram de si mesmas – e são cobradas – continuamente para atingir esse 'modelo ideal de beleza' distante da diversidade que caracteriza a nossa população.
As mortes recentes por anorexia, de jovens modelos ou aspirantes ao padrão veiculado pela mídia, ilustram bem como estes valores e padrões estéticos se transformam insidiosamente em exigência de mercado e padrão aspiracional - levando aos sacrifícios mais absurdos e ao rebaixamento da auto-estima das pessoas mais vulneráveis e das brasileiras em geral.
Convém que os senhores saibam que a nossa percepção também encontra respaldo em pesquisas internacionais, a saber:
O relatório de pesquisa da GMMP (Projeto Global de Monitoramento da Midia), coordenado por Margareth Gallagher, em sua última versão de 2005 e a WACC (World Association for Christian Communication), mostra claramente a aniquilação simbólica das mulheres, pela exclusão de suas vidas e pela trivialização de suas experiências.
O estudo mostrou que, mesmo constituindo 52% da população mundial, as mulheres aparecem em apenas 21% das notícias. Ou seja, para cada mulher que aparece no noticiário, cinco homens são retratados. No rádio este percentual é ainda menor: 17%. Em dez anos, apesar de toda a revolução no mundo das telecomunicações, este total evoluiu muito pouco, aumentando somente em três pontos.
Quando é feita uma análise qualitativa da presença das mulheres como fonte de reportagens, o estudo mostra que a opinião feminina é retratada em somente 14% dos artigos sobre política e em 20% sobre economia, os dois temas que dominam a agenda dos países. A voz feminina também é preterida quando se trata de ouvir a opinião de especialistas: 83% deles são homens.
Apesar da emancipação feminina e do brutal crescimento da nossa participação no mercado de trabalho, bem como da nossa ascendência na área da educação formal, somos ainda identificadas, sobretudo pela mídia, como esposas, mães ou filhas. Mesmo quando algumas de nós destacam-se desempenhando algum papel profissional, como por exemplo, especialistas de alguma área, não escapam da relação com o contexto familiar. 'Então, enquanto os homens são valorizados como indivíduos autônomos, o status da mulher deriva originalmente de sua relação com outras pessoas. É dessas relações, muito mais do que de sua individualidade, que a mulher obtém sua autoridade' afirma o relatório internacional.
O estudo mostrou também que há duas vezes mais reportagens que reforçam estereótipos de gênero do que matérias que os desafiam. Ao mesmo tempo, a própria desigualdade de gênero não é considerada digna de ser notícia: 96% das matérias do mundo inteiro não ressaltam este tema, sendo que as demais estão concentradas em áreas como direitos humanos, relações familiares ou ativismo feminista – assuntos que geralmente recebem pouco destaque dentro do conjunto de artigos de um veículo, em matérias predominantemente escritas por jornalistas mulheres.
É fato notório que nós mulheres mudamos a face do mundo - a nossa luta mudou o cenário político, econômico e social do país e do mundo. Nossas reivindicações alteraram o funcionamento dos organismos de poder, das empresas, da estruturação da sociedade, da organização das instituições de ensino, da própria família e dos papéis estabelecidos para o homem e para a mulher.
Mas falam em nosso nome, reforçam os estereótipos que combatemos, não refletem as mudanças e conquistas já efetivas na vida real, usam e abusam de nossa imagem, dosando-a de mais ou menos sedução, prometendo nos entregar como brinde pelo consumo de tal ou qual produto, procurando nos iludir e iludir aos homens, aos jovens e às crianças, em função de interesses que raramente são os nossos.
É preciso que a sociedade tenha acesso a uma visão diferente da que a mídia ora nos impõe.
Queremos poder efetivamente usufruir de nosso direito à comunicação e mostrar a vida e a realidade das mulheres como nós a percebemos e vivemos.
Queremos poder mostrar as mulheres em seus mais diversos contextos, na lida do cotidiano, em seus sonhos, em suas lutas, em suas conquistas, em suas contradições e problemas.
Por isso, exigimos o nosso direito de resposta .
Queremos oferecer uma alternativa a esta imagem plasmada que as emissoras de TV veiculam como sendo a única e verdadeira. E, para tanto, nos dirigimos aos senhores apresentando as seguintes reivindicações, como inalienáveis direitos nossos:
1. Queremos que, no decorrer de uma semana plena, possamos decidir, produzir e ver veiculada a nossa visão de qual é a realidade cotidiana vivida pelas mulheres brasileiras, em geral, de suas lutas, conquistas e aspirações, e das demandas que elas ainda querem e precisam realizar.
2. Queremos que as emissoras de TV, que tanto ganham em audiência e faturamento com a nossa imagem, forneçam os recursos para que possamos, de forma autônoma e independente, e com a mesma qualidade a que habituaram o seu público, produzir e veicular a nossa percepção e vivências das mulheres brasileiras.
Endossam o texto vários nomes, vinculados às mais variadas profissões.
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Ainda não li inteiro...
da lista radiola, pra lista das radios livres, pra lista do estudiolivre e do submidialogia.
http://radiola.radiolivre.org/
http://www.radiolivre.org/
http://www.estudiolivre.org/
http://submidialogia.descentro.org/